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Alimentos sintéticos vão salvar ou estragar a qualidade da vida humana?

Desde que o Soylent foi lançado, em 2014, não se passa um mês sem que a imprensa não solte textos na linha “Passei X dias comendo apenas esse substituto alimentar”.

Criado como um pozinho solúvel e hoje disponível como líquido, a marca —que já tem diversos concorrentes— é o exemplo mais famoso da busca por um alimento sintético que supra todas as demandas nutricionais de uma pessoa e o libere da necessidade de bater um pratão de comida. Também é uma grande peça de humor negro. O nome é inspirado no livro “Make Run! Make Run!”, mais conhecido pela adaptação cinematográfica de 1973, “Soylent Green”. No filme, um planeta superpopuloso e extremamente desigual (lembra algo?) lida com o problema da fome com barrinhas sintéticas chamadas Soylent.

A última versão delas, a Soylent Green, é vendida como se fosse feita a partir de algas, mas no final o protagonista descobre para seu desespero que o ingrediente principal é gente morta.

Ficções distópicas à parte, o Soylent real é, de fato, produzido com óleos de algas —além de soja e uma série de outros ingredientes. A princípio, a ideia é que ele substituísse alimentos tradicionais por completo, mas após uma série de sanções de órgãos regulatórios e a proibição da venda no Canadá, a empresa reajustou o marketing para recomendá-lo como ideal para ser usado como uma ou duas das refeições diárias de um adulto. Apesar de conquistarem mercado —o Soylent já levantou mais de US$ 70 milhões em investimento e uma empresa semelhante chamada Huel faturou US$ 45 milhões em 2018—, eles ainda despertam descrença entre nutricionistas e pesquisadores.

“A ciência ainda não conseguiu replicar o que a natureza oferece em termos de nutrição”, disse o nutricionista Luiz Gonzales ao Vox, numa das matérias sobre se submeter a essa dieta artificial por um longo período.

“Garantir que você pode conseguir toda nutrição que precisa de uma bebida manufaturada não é nada mais que besteira. Nós sequer sabemos todas as vitaminas, minerais, fitonutrientes e outras substâncias que compõem alimentos naturais, como poderíamos recriá-las?”, afirmou a especialista em nutrição Fiona Lawson à Wired em texto semelhante.

De qualquer forma, encontrar um novo modelo de alimentação é necessário: o elevado custo ecológico do consumo de proteína animal, por exemplo, somado ao impacto do aquecimento global na agricultura, demanda alternativas sustentáveis para dar de comer ao mundo.

“Estando próximos de uma tempestade perfeita devido ao advento de uma crise alimentar, justificada pelo excesso de densidade populacional e alterações climáticas que afetam todo o sistema agro-alimentar, será necessário continuar a explorar a biodiversidade de uma forma sustentável e buscando fontes alternativas de proteína. Assim, a biotecnologia alimentar terá um papel cada vez mais determinante”, diz Ricardo Pereira, pesquisador do Centro de Engenharia Biológica da Universidade do Minho, em Portugal.

Um exemplo já ao alcance dos brasileiros são hambúrgueres produzidos a partir de plantas que prometem gosto e textura de carne. Outro menos próximo é a volta e meia propagandeada solução de incluir insetos na nossa dieta. Afinal, eles estão disponíveis aos montes.

Nenhuma delas, no entanto, atende a esse charme futurista das pílulas artificiais. O curioso é que a origem dessa papo é semelhante ao do Soylent. O criador dele, o engenheiro de softwares Rob Rhinehart, achava comer uma perda de tempo.

Em um texto escrito às vésperas da Exposição Universal de 1893, em Chicago, a feminista americana Mary Elizabeth Lease, previa que cem anos depois, em 1993, todo mundo comeria pílulas. Grosso modo, o argumento de Mary é que isso livraria as mulheres da obrigação de cozinhar para a família e as permitiria ter mais tempo para correr atrás dos próprios interesses.

Hoje, no entanto, grande parte da população urbana sequer tem esse tempo —o que é outro problema. Ainda assim, a promessa de uma alimentação sintética que torne os corpos humanos mais eficientes continua a ser um dos maiores atrativos de produtos do tipo. É o que diz Laura Thomas, autora do livro “Just Eat It”, à revista Vice.

“Você está muito ocupado para cozinhar ou sair para comer? Para mim, é um sinal de que você anda ocupado em excesso de maneira crônica”, falou Laura. “Ou você ouviu falar que você vai biohackear seu caminho para a imortalidade? Então talvez nós precisamos acabar com alguns mitos.”

“A ideia de uma dieta funcional e universal, como a mediterrânea, é movida por uma certa ideia de imortalidade, uma busca por prolongar a vida indefinidamente”, diz o sociólogo Carlos Alberto Dória, que estuda a história da alimentação.

“O fato é o seguinte: se você pensar na história da humanidade, todas as culturas desenvolveram dietas equilibradas. Os chineses, os indianos e os esquimós sabem o que comer, e terão corpos sadios dentro daquela cultura”, fala Dória. “Esse negócio vai pro brejo com a industrialização e a urbanização.”

As pílulas vêm aí

Se depender de um cara chamado Dan McGuire, as comidas em pílula viram realidade. Mas ele não quer mais tempo, um modo de vida sustentável ou uma dieta equilibrada e saudável. O lance dele é emagrecer mesmo.

Depois de participar de um programa da Singularity University para resolver problemas globais bancado pelo Google, McGuire criou a Food Pill Diet (dieta de comida em pílula, em inglês).

As pílulas são feitas a partir de ingredientes 100% vegetais e McGuire conseguiu emagrecer um pouco mais de 30 kg após 12 semanas em que só as consumiu. Logo em seguida, fez testes por um período semelhante com um grupo de seis pessoas, que emagreceram até 15 kg e afirmaram não sentir fome ou sensação de privação alimentar ao longo do processo.

Enquanto McGuire aguarda uma patente do produto para começar a comercializá-lo, não há qualquer pesquisa científica que comprove a eficiência das tais pílulas —nem que garanta que essa dieta seja segura. Para piorar, é bastante coisa. A cada dia, é necessário engolir 400 pilulinhas, dividas em oito porções de 50.

De repente, até a ideia dos insetos parece mais apetitosa. Até porque talvez não tenhamos mesmo escolha.

“É quase futurologia, mas acredito, ou quero acreditar, que alimentação será realizada a partir da terra do que é cultivado ou criado. A investigação e desenvolvimento tecnológico poderão ajudar a tornar todo este processo muito mais eficiente e sustentável”, afirma Pereira. “Será importante que todos possam diversificar dietas, combinando fontes proteicas alternativas. Isso será também fundamental para tentar reverter o cenário de crise alimentar projetado para as próximas décadas.”

Fonte: https://www.uol.com.br/tilt/

 

Veja mais em https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/01/17/alimentos-sinteticos-vao-salvar-ou-estragar-a-qualidade-da-vida-humana.htm 

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